sexta-feira, 20 de novembro de 2009

só por isso

Só porque eram primos, pensou; depois escorregou o olhar para os cantos. E eles foram sempre amigos, não havia razão para nutrir sentimentos egoístas por ele. Por ele, pensou; e depois pensou mais, e nas coisas que fizera por ele: abrir mão da bicicleta mais cara no aniversário para que cada um ganhasse uma e se divertissem os dois; dividir o Trident - que já é tão pequeno!; passar as férias no sítio com a família dele, em vez de praia com a avó materna dela; andar de mãos dadas no shopping a se fingir de namorados para pagar meia no cinema... Agora já não era preciso, e tudo era tão perturbado: ele mediu a aliança de noivado no dedo dela, que, por alguns segundos, quase imaginou. Só porque eram primos, suspirou; e depois escorregou.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

desclassificados

Pensou em recorrer aos classificados, e porque não encontrava pronto algo de que necessitava - e porque não sabia o quê - decidiu-se por expor a si mesma: "Procura-se...". Com um bloco de notas à disposição, meditou longamente sobre o que seria. Concluiu que era alguém, mas de que tipo? Do tipo que ela não era; alguém pra complementar uma parte dela que ela não fosse, por distração ou mera limitação humana. No entanto, incapaz de se decidir sobre uma coisa e outra que quisesse que alguém lhe trouxesse a acrescentar, desistiu do anúncio: estava ela desclassificada. Talvez até já tivesse tido, e perdido, essa coisa que procurava.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

aqui

Vim. Olhei pra trás, fiz-me um convite com as mãos, e vim andando. Aos poucos readquiria intimidade e me tocava por alguns segundos - a sensação era de tocar o mundo. Ainda não me confiava em mim, mas achava graça, e era até bonitinho eu ainda desejar aquelas coisas. De repente, não sei o que deu em mim: eu fechei os olhos, eu abri os olhos, eu olhei ao redor, pra frente, e me perdi. Eu vim, sim, mas me deixei pra trás.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

soluço

Tipo soluço? É, tipo soluço. Começou do nada e do nada parou. Desconheço causa, só consequência. Amargo agora uma secura: a garganta, descosturada, me recrimina - e não sei o que fiz; foi algo que bebi que a ressaca não curou. Enquanto durou, não foi bom nem ruim; foi interessante. Não tive tempo para julgar, definir isso que me ocorria com estranheza; de modo que não sei se ter acabado foi minha salvação ou se me atira às trevas. Há, ainda, a esperança de que recomece quando eu estiver distraída. O problema é que agora eu só penso nisso.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

pequena epifania

Oi, há quanto tempo não nos vemos! Eu poderia ter escrito um e-mail, eu poderia ter visitado seu orkut e deixado um recado, mas só o que fiz foi pensar em você. Todos os dias, quase. Gosto de pensar que estamos conversando, eu te contando coisas minhas, inutilidades cotidianas; boba que sou, imagino a gente andando pela rua, olhando as vitrines, eu te puxando pelo braço em direção à máquina de sorvete italiano, você pede um misto de creme e chocolate, eu de morango, a gente se senta para ficar à vontade, e a tarde não passa, são três horas, a gente queria estar na praia. Quando imagino essas coisas, são quase lembranças. Acho apenas que nos esquecemos. Eu estava indo e você vinha vindo também, daí a gente se perdeu - e até se deu conta, mas fingiu que não; como quem cruza um conhecido na rua e quase não presta atenção: eu vi você e sei que você me viu, e vice-versa, mas a gente seguiu adiante. Porque algumas ações dependem de decisões a serem tomadas em segundos. No segundo seguinte já passamos um pelo outro e voltar atrás esboça um desespero sem cabimento. Aí fica assim, a vida passando, a gente indo, quase se esquecendo do que ia dizendo quando, de repente, um sonha ou escuta ou interage com qualquer recordação saltitante, e percebe que faz tempo e quer entrar em contato. Aparentemente não faz muito sentido para o outro que ainda não estava preparado, que ainda não fora tocado pela sensibilidade da saudade ou qualquer coisa que se chame nesse sentido. Então o outro desconfia, quer saber por que, como, desde quando e não obtém resposta, a gente se afasta de novo, até outra recaída saudosista. Ou futurista: apenas pra te contar que estou partindo, vou morar na Itália... Mas o número mudou, e você não liga; o e-mail retorna, e não se escreve; os conhecidos em comum são completamente estranhos agora, e ninguém mais se entende nem se atende pelo nome. Então estou aqui neste espaço que não é e-mail nem telefone nem convivência, que é um espaço apenas e não se propõe a mais nada além de publicar-me;estou adorando isso porque é como pensar, mas um pensar testemunhado: este documentário é todo o meu silêncio (quem me assiste e me julga, não me interroga porém). E você, como tem passado? Fez um blog também? Eu não te procurei pra dizer essas coisas porque você não se encontra, foi o que sua mãe me disse quando telefonei anonimamente uma única vez, que você não se encontra. Engraçado, sempre achei que você se achava. Caso esteja enganada, ou sua mãe, e você tenha se interessado por realizar o meu singelo sonho de tomar um sorvete numa tarde de sol, aqui estou eu e não estou. Neste espaço, acontecendo, ainda.