sexta-feira, 19 de junho de 2009

Depois de ler Alice Ruiz

Imagem de Maíra Soares
Coquetel de lançamento de XXI POETAS DE HOJE EM DIA(NTE)

Se você me deixar
vai ser uma pena
leve leve a flutuar
sem ponto
nem vírgula
nem nada
que...
se é pra zoar,
eu quebro tudo com um poema
de enlouquecer bicho-grilo;
se é pra fazer um bicho
de sete cabeças,
eu escrevo outras dezessete linhas
para ver se entra
em uma dessas
essa coisa que te amo
e é só minha

terça-feira, 16 de junho de 2009

Elogio à Ética

Você veio me dizer de forma toda poética que o seu maior prazer era admirar a minha estética. Eu confesso não ter entendido absolutamente nada da sua profética, mas mulher tem sexto sentido, e eu te falei de maneira sintética que jamais sairia contigo. Eis que então você me demitiu por injusta causa e eu, me enchendo de raiva, para não te mandar àquele lugar, decidi me posicionar. Consultei um dicionário para enriquecer o meu vocabulário e te contra-argumentar – galanteador feito um canário, mas tão ofensivo e ordinário. Agora, escuta aqui, sua anta patética, antes de se gabar da sua hermética, você deve respeitar suas funcionárias frenéticas, que tanto trabalham em seu lugar. Enquanto você viaja pelas europas e soviéticas, a gente está lá no escritório, fazendo o quê? É notório: estamos cibernéticas de tanto digitar, formatar, editar, ocultar e se desculpar por você – percebe-se pela minha aparência esquelética. E o senhor tem coragem de me colocar na rua, depois de elogiar minha estrutura atlética? Depois de insinuar querer me ver nua? É muita falta de censura! E nem estou analisando faixa etária – até porque sou bem eclética – mas, cá entre nós, com essa sua urticária, nem se eu fosse uma doida epilética! Mas veja bem, argumento e não perco a compostura – você diz que mulher é muito histérica. E vou além: lembro-me também de ouvi-lo criticar a minha aferética, me subjugar, me caracterizar de aérea. Agora, se me permite retrucar, eu te convido a analisar as coisas de maneira mais eidética – não, não é doença venérea. E para finalizar dialética: vou embora, sim, mas sem me envergonhar. Ao menos a mim não falta ética.

domingo, 7 de junho de 2009

Obrigado, meu amor!

“Oi... Eu tô ligando para te agradecer... Como pelo quê? Por tudo... Quê?... Sim, mas me deixe concluir, mulher!... Claro, claro que estou ligando pra pessoa certa... Sim, é o Valdir! E eu, Valdir, quero te agradecer por tudo o que você fez por mim. Mas como foi muita coisa, vou ter de listar:

1º Obrigado por entrar na minha vida no momento mais inoportuno, me fazendo entender que meu casamento já havia morrido há anos – e me ajudando a enterrá-lo de vez;

2º Obrigado por se instalar em minha casa logo na primeira semana, reorganizar minhas gavetas de modo que eu não encontrasse mais nada, me ajudando no processo de separação da outra mulher - que deixei, claro, só porque já não sentia o mesmo por ela.

3º Obrigado por me ajudar com as compras do supermercado, com meu novo visual – embora me sinta um punk aos 40 – com minha conta bancária – tenho certeza de que você me endividou para me ajudar a enfrentar meu medo de aceitar riscos;

4º Obrigado por me fazer compreender os signos e seus decanatos. Graças a você, estou sabendo que nossas Luas não se cruzam, nossos ascendentes compartiham defeitos e nossos signos são de elementos contrários;

5º Obrigado por me comprar um cachorro. e já agradeço também por ter colaborado para a minha descoberta de que sou alérgico a pêlos de cocker. Mas que cãozinho atencioso aquele, é um "reloginho";

6º Obrigado pelos bolsos, carteiras, gavetas e móveis revistados. Hoje em dia sinto-me, além de organizado, um homem precavido;

7º Obrigado pelos absorventes, de vários modelos e tamanhos, que você esqueceu em meu banheiro junto da sua escova de dentes. Nunca se sabe quando vamos precisar emprestar essas coisas a alguém;

8º Obrigado pela atenção infinita e dedicada ao longo desse efêmero envolvimento; a necessidade de me possuir com exclusividade constante e integral; o desejo de me cobrir de beijos em um dia e de ausência no outro; a compreensão de que sou vinte anos mais velho que você, mas que com certeza poderíamos passar uma semana em Ibiza; o tato para lidar com o fato de que tenho filhos da sua idade – levando-os para sair todas as sextas e me convidando a buscá-los ligeiramente alcoolizados (os três);

9º Obrigado pelos planos que fizemos juntos, os sonhos que sonhamos, os projetos de vida que idealizamos. Se eu encontrar outra pessoa, nesses anos de vida que me restam, talvez dê tempo de pegar tudo isso emprestado e tentar realizar com essa pessoa;

10º Mas principalmente muito, muito obrigado pelo filho. O filho que você deixou tão cautelosamente em nosso quarto, dormindo abraçado em teu pijama. O filho que eu nem sei como se chama, e por isso batizei de Jesus – “Pobrezinho, nasceu em Belém...”. O filho que não é meu. Obrigado.

Quê?... Eu não terminei. Acho muito clichê terminar no décimo item... Mas é claro que tem mais coisa: é que eu não tenho certeza do bairro em que você se encontra, mas conheço a localidade. Então... obrigado. Obrigado por ir à puta que pariu!”
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Crônica é destaque no http://www.desacato.info/, e recebe inclusive uma versão em espanhol por Raúl Fitipaldi, da América Latina Palavra Viva.