quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

recorrentes

Eram jovens, e foi quase sempre a mesma história. Ele encostado no balcão da cozinha, observava através do espelho gestos femininos; som de correntes contra a pia do banheiro. Arrastavam-se entre móveis. Lambiam-se distantes. E de vez em quando se comiam. Sem dó.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

melhor assim

Talvez nunca eles saibam. Que se continuassem juntos não teria dado certo mesmo assim, que separados estarão melhor ou pior ou igual; não, igual nunca. Que agora ela sai pra dançar nos mesmos lugares que ele e aparentemente está tudo bem. Que ele já levou outra mulher no seu apartamento e disfarçaram bem. Que estão juntos há anos e ainda não se conhecem ou não se reconhecem agora que são ímpares. Por mais que ele saiba aquele jeito de morder a boca que é só dela; por mais que ela imagine o que ele está pensando quando sua nova namorada fala que adora Pitty; ainda que a família de um não se conforme e que a do outro dê graças a deus; ou que o cachorro dela confunda o alarme do carro e corra pra porta - o cão contém uma esperança; ou que no restaurante do bairro agora ele almoce sozinho ou nem vá ou passe pela salada sem se servir - agora não tem ninguém pra lhe encher o saco, e afinal de contas todo mundo vai morrer um dia; ainda que se encontrem, eventualmente se abracem sentindo, e se desmanchem depois, completamente perdoados; ainda que ocasionalmente esqueçam até por que brigavam e o que era tão horrível que não pudesse ser superado; ainda que haja as fotos e as músicas, os DVDs, os livros, as coisas na estante... coisas que não se dividem, que só vinham a somar; ainda que se preocupem do outro voltar dirigindo daquele jeito, do outro ir dormir na casa de um estranho, do outro não estar comendo direito, do outro estar se endividando de novo; ainda que se preocupem com o outro... com certa frequencia se esquecem - e cada vez mais se repete - na cama de outro adormecem, com outras canções se distraem; um beijo do outro não querem, conversar muito tempo piora, ver o outro sorrindo é quase como não querer que ele seja feliz; melhor se afastar, então, deixar o tempo cuidar - pra que ressuscitar uma coisa que nasceu no fim? Não sabiam. Não sabem. Talvez nunca eles saibam, mas melhor assim.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

mulher

(removido)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

brechó

Voltou à vitrine, após algum tempo. Desta vez exposto, parecia mais vibrante, iluminado, tropical. Já o havia visto, em outras ocasiões, desfilando no corpo de outra. Na época, não reparou além da estampa - e se não tornasse a vê-lo, talvez nem recordasse a cor. Não fazia o estilo, e ela usava outra marca. Agora que estava com peso e medida diferente; agora que era uma pessoa mais solta, que não se limita a um jeans básico com regata branca - nem condena, nem evita; agora que era verão e ela poderia levá-lo a praia, dançar com ele, andar no shopping... Deteve-se na vitrine por minutos, mas não era impulsiva, e ficou de "pensar melhor". Nem reservou. Ele estava na vitrine, era a última tendência. E quanto mais o vissem, talvez mais gostassem dele, e talvez ele se esgotasse antes que ela o pudesse alcançar. Ponderou tentando conter o receio de vê-lo novamente em outra e dessa vez invejar. Voltou lá mais uma ou duas vezes até decidir experimentá-lo; "só pra ver como fica", disse uma daquelas mocinhas. Pegou na mão, sentiu o tecido entre os dedos. Provou. Achou que combinava. Não era questão de necessidade, sabia que era um capricho. Mas tinha tudo a ver com seus acessórios, com os lugares que frequentava; e porque lhe caiu bem, disseram alguns - mas taí uma ocasião em que não se pode ser sincero - mas quantos motivos é preciso listar pra justificar uma consequencia de viver? Contente, já saiu de lá com ele. Levou à vista. Sem culpa e sem receio. Dizem por aí que não tira mais do corpo...