quinta-feira, 25 de novembro de 2010

valer a pena

Comecei a sentir pena do mundo, e eu estava dentro. A gente ficava cada vez mais triste, cada vez mais querendo e faltando, empurrando e não indo; as coisas aumentando a nossa volta e a gente encolhendo. Lembro-me que abracei uma criança, agachada atrás de um balcão, e fiquei do seu tamanho para lhe dizer que não crescesse, senão não passaria mais naquela porta para o mundo das maravilhas, que é como aquelas portinhas do desenho do Tom&Jerry - que eu nem sei se ainda é transmitido na TV, porque eu encolhi com o mundo mas sou dessas coisas grandes e destrambelhadas como, como um elefante, é, um elefante animado e rosa, que faz dom-dom dom-dom quando caminha, mas a gente caminha feito formiga intoxicada, cada um com seu nada, e todo mundo querendo, puxando; ok, baby, generalizei - sou do tempo que se falava "baby" com um cigarrinho pendurado nos lábios - nem todo mundo é assim puxando, querendo, apertando; não é. Mas ainda é de dar pena. Tanta pena tanta, que eu fico com vontade de abraçar as pessoas - até aquelas que escorrem por boeiros nas cidades - e fazer silêncio, que vai melhorar, que tamo junto, que vou ficar aqui no mundo com elas, até passar.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

cera quente

Primeiro eu te sorria; tinha a memória seletiva de um cão. Era fácil assim. Você me entregava uma verdade tão absurda que era quase surreal, e eu achava admirável tamanha sinceridade; eu te sorria. A gente se abraçava no mundo e comemorava o encanto que éramos, de discretos e honestos e inocentes. Eu te dava paciência, e a paciência era também o nosso pão; a gente comia disso todo dia sem reclamar. E tu me davas uma porção de coisinhas, como estrelinhas de pelúcia coloridas, como esses móbiles de berço de bebê. Eu estava te esperando. Mas eu só estava te esperando porque você estava se preparando para mim. Você um dia iria chegar, e seria muito melhor que aquilo – se aquilo já era bom, com todos os seus defeitos, imagina quando ficasse; quando a gente progredisse e eu não tivesse mais que te dar paciência e nem tu explicações. Não foi bem assim, devo admitir. Quero dizer, você até que fez a sua parte. Quando chegou a minha vez, eu calei a voz do peito mas ainda ouvia os gritos que abafava para que tu não soubesses que eu era uma corrompida, que minha força era fraca. Depois você foi ficando cada vez melhor pra mim e quanto mais isso acontecia, mais eu enxergava que o que vivera até então era uma ilusão, uma falta de amor próprio; que não deveria nunca ter ficado esperando por ti, porque na época tu não valias nada. E eu comecei a recapitular nossos momentos, e a perceber o quanto eu já estava neles e tu inatingível: o último dia dos namorados, em que você escreveu no box que eu era uma bonitinha – depois fiquei sabendo através de um amigo, por acaso e sem malícia, que para ela havias feito assim o convite pra se casarem. Sabe, eu comecei a te conhecer depois de um ano e a descobrir que não havia conhecido, e que o que havíamos vivido era superficial. E em vez de me tornar uma pessoa agradecida, por teres te tornado muito mais do que eu pedira, eu comecei a ter por ti um sentimento que não é nem de raiva nem de dor, mas tão parecido com a simbiose disso que posso chamar de mágoa. Se o tempo todo poderia ter sido assim, por que não foi? Por que agora? Onde esteve esse tempo todo, e o que pensava, o que sentia? Essas perguntas todas não te faço – o tal grito que calo com teus lábios – pensamento que espanto feito moscas. Mas uma decisão eu tomei, e serei fiel a ela como não foste a mim: eu vou tirá-lo de mim. Infelizmente, não vai dar pra ser agora, com estupidez e arrogância – eu suporto uma depilação com cera até duas vezes por mês e não suportaria isso. Decidi que será como arrancar um adesivo que há muito tempo foi colado ali. Tem que ser pelas pontinhas, distraidamente, de vez em quando, talvez até molhar um pouquinho. Se eu arrancar de repente, pode deixar o rastro do teu papel, e eu não quero viver por ti o que tu viveu por ela e não me deixou ser feliz.