quinta-feira, 29 de outubro de 2009

prenúncio

Eu vou morrer. Corro ao espelho e apalpo a face, estarrecida. Estou absurda e desmemoriada. Quase excitada, a Morte, me espreita. Investigativa, a Morte, me assedia. Sou vulnerável, e isso dá medo. Pode ser que ocorra ainda hoje – embora ache pouco provável, sempre acho pouco provável morrer no dia de hoje – e pode ser que seja amanhã, ou daqui a alguns anos, em 2027. De pensar Nela, quase choro. Porque não fiz por merecê-la. Por mérito ou vingança, a Morte não me convém. Talvez não me procure, ainda, eu tenha tempo. Este é seu método de pressão, penetrando-me os minutos como se não existissem e indagando-me sobre o que estou fazendo agora, e o que farei depois, mas o que foi que eu fiz?! A Morte, Pessoa Jurídica, está sempre ligada, sempre logada, always online. Deve andar cheia de post-its, deve usar o outlook, a Morte – senão, como se lembra? Quem sabe é ela que decide a forma, as ferramentas; não apenas hora e lugar. A Morte dispõe de autonomia total, sua única missão é fazer acontecer: não pode a Morte adiar um trabalho eternamente; se estiver cansada, no máximo, deixa para amanhã – teve gente que, como não incomodava, que já estava em coma há anos, esperou mais um pouco. Às vezes coincide de Ela entediar, e improvisar, e pode ser que seja na sua vez – ou na minha, que estou por aqui, por enquanto – e pode ser que, mais tarde, no quarto de hotel, tomando cerveja e comendo amendoins, a Morte, assista ao noticiário de meias, e dê risada. A Morte, de mim, só tem andado distraída. Um dia lhe dá um estalo, e Ela me procura; e se me mudo – e se emudeço mesmo, encolhida embaixo das escadas – Ela me acha. Eu vou morrer, um dia, eu vou morrer. É esta certeza que me mata.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

ausência

Sentir nas pontas dos dedos a ausência, é possível? Perfeitamente. É uma pergunta? Verdadeiro. Gesto de deslizar digitais. Pode estar no odor, essa ausência. Pode estar no vapor da pele, no espelho do roupeiro que registra a cena da cama. A cama. Que concentra um corpo só, parece aberta. Aguarda, uma tranquilidade, irrequieta. Contempla teto; paredes não falam – duvido que ouçam. Escute o que eu digo: o silêncio é mortífero, ao coração; não sei, não; o silêncio me atrai; depois mata. A sede. Parece que é sempre de madrugada; que nada, são seis da manhã! acorda, dei folga pra empregada! Meu vício é limpar os cantos, que cada canto tem a sua coisa; esta lá, entalada, esperando por dizer. Um dia vem à tona toda sujeira do tapete. Eu passo por cima; não quero nem saber; já vou logo avisando. Que é pra não haver mal entendido. Eu não prometi nada. Nem acreditei em nada. E agora sou, sozinha.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

ponto preciso

Trazia um livro, as mãos. Cumprimentou o moço porque o moço era bonito; fosse homem só, nem tinha visto. Então era tudo dúbio: a vida nem sempre um risco, nem sempre um traço unindo dois pontos - o tempo é interjeição. Mesmo quando desperdício. Mesmo quando sopra em qualquer direção. Girando a biruta. Girando a biruta. Não sei se sul, se sobe ou desce. Aqui. Por favor, pare aqui. Por favor, preciso. Este é meu ponto.