Quando ele chegou em casa, assim que chegou em casa, eu disse a ele que aquela seria a última vez, que não iria mais tolerar; que não queria, que não podia, que não conseguia e não iria suportar. Me debrucei com ele sobre as gavetas, e fui tirando inteiras pra fora, e fui espalhando meias pelo chão. Ele levou um susto. Ele levou um tapa. Ele levou as bermudas, as gravatas, as calças largas. Levou do banheiro a loção pós-barba, o xampu anticaspa, as cuecas penduradas. Levou o Rexona, o Azzaro, o remédio para curar a cachaça. Levou da sala as estantes de livros, os DVDs, os não-sei-o-quê da Adminstração; levou o Playstation, o aparelho de som. Levou tomadas e carrapichos, comida enlatada e garrafas pet. Ele levou uma palmada e teve de levar uma pomada, e separou alguns cotonetes. Levou a carteira, o cartão de crédito; a credencial que tinha ele levou. As contas pra pagar, levou algumas; as passagens aéreas, o veículo terrestre, até o aquário levou. O lustra móveis teve de levar, umas roupas sujas pra depois lavar, umas cifras de música pra tirar no violão. Foi andando pela casa e levando as coisas, arrastando os móveis, abrindo portas, deixando voar pela janela. Levou minha fé e a vontade de crer nela. Levou meu café, meu sono, meu cão sem dono. Levou e foi levado – foi realmente um menino levado. Levou-me os cílios num piscar de olhos, as barbas de molho; o meu perdão ele levou também. Só ficou um filho.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
10 comentários:
gosto do teu estilo;)
T.
Assim de supetão..., sem aviso..., um menino levado entra na nossa vida e, do modo como entrou ele sai, só que desta vez consegue levar tudo de nós..., o que encontra bem à vista e aquilo que guardamos bem escondidinho dentro de nós. Vai tudo, até a fé em nós mesmos..., fica sempre alguma coisa, pouca..., uma réstia de esperança de que logo chegue outro menino menos levado.., mais calmo..., capaz de consertar tudo o que o outro conseguiu estragar.É assim a vida...Um belo texto, Priscila. Um beijinho e até breve.
Emília
Oi, Priscila,
acabo de ler seu comentário e tive uma impressão tão forte de me ler nos teus textos que não soube nem sequer comenta-los como gostaria.
Fiquei muito interessada no teu trabalho depois de ler a Cult, exatamente pela sua linguagem!
Adoraria receber comentario seu sobre minha escrita, pq me sinto totalmente amadora nisso, mas me interessa crescer neste aspecto, ainda q não seja p me tornar "escritora" de verdade!
Sou artista plastica por formação, atualmente trabalho com design grafico e desde o começo do ano presto serviços p uma editora aqui em Brasília. Faço diagramação de livros e mais especificamente, as capas.
Poderiamos pensar numa parceria, caso vc se interesse. Seria um enorme prazer produzir algo p vc!
enfim, estarei sempre aqui lendo e re-lendo tudo!
forte abraço!
o endereço correto é cafealmazen@hotmail.com
eu havia trocado as letras!
Olá, Priscila, valeu o comentário no blog. Como o descobriu? Bem, li alguns dos seus textos e também gostei. São densos e brincam com questões de relacionamento, tema que gosto muito. A frase final deste conto é muito intensa. Mantenha contato e grande abraço!
Cefas
ficou um filho. vixxi, isso é o suficiente e o bastante. bem como a prosa.
e eu acabei de vir do laerth, onde havia uma despedida, um final, sei lá... isso significa que continuo a ouvir: trocando em miúdos pode guardar as sobras...
beijo.
caraca, olha a palavra de verificação: rethrou.
gente, que texto maravilhoso!
parabéns, menina!
sempre bom passar por aqui.
É bem assim!! Gostei da narrativa!! Dinâmica e os quadros de imagens foram se sobrepondo! :D Beijus
Enquanto te lia me peguei me esquecendo de respirar. tirar o ar de um leitor vale ouro, e vc é capaz disso. parabéns! Gostei demais.
Bjos
Muito bom, adorei o trocadilho do título... seus textos são muitos sutis, muito bons.Quando crescer quer ser assim :)
Postar um comentário