segunda-feira, 10 de agosto de 2009

porta afora

Eu tenho um problema com chaves. Sempre que tranco a porta de casa, coloco as chaves na bolsa, sendo que em seguida tenho que retirá-las novamente para destrancar o portão da rua. Faço isso também na garagem, que se atreve ao excesso de cautela de possuir uma porta chaveada entre o elevador e meu carro. Desligo o carro, coloco o chaveiro na bolsa, caminho até a porta... e aí se agrava o problema: destaco a chave errada. Com frequencia me engano sobre qual é a chave certa. Como se não abrisse as mesmas portas todos os dias. Como se o segredo se transformasse com a mesma rapidez que meu pensamento sobre as coisas. Deixo as chaves na casa dos outros - e para suas portas, minhas chaves são inúteis. Perco as chaves na rua - elas encontram novas portas, eu providencio novas chaves. Esqueço onde as coloquei, e fico perdida diante de uma liberdade prisioneira, sem saber se vou e ou se fico. Confundo as minhas chaves com outras chaves, confundo as minhas portas com outras portas; deixo minhas gavetas abertas. Não espio pelo buraco da fechadura de ninguém, e coloco nos meus buracos bolinhas de papel barrando a intervenção alheia. Sou cheia de trancas, cheia de segredos, cheia de senhas para decorar e esquecer. Eventualmente me conduzo com as chaves trocadas, com o segredo exposto, com as senhas erradas. Nessas ocasiões me liberto. Lembro-me de um dia ter saído de casa e encontrado um chaveiro pendurado em um galho de árvore. Alguma pessoa encontrara as chaves erradas e deixara exposta a fragilidade daquele que, distraidamente, perdera as suas. O chaveiro era muito bonito. Quase tive um atrevimento. Mas o meu chaveiro já é parte das minhas chaves que são parte das minhas fechaduras que são parte dos meus pertences. Oh Deus, como posso ser tão insolente, expondo num chaveiro luminoso toda a minha possessividade? Eu tenho esse problema com chaves. Acho que sou uma pessoa trancada. Estas coisas que escrevo são meu vestígio.

8 comentários:

BAR DO BARDO disse...

Dependendo do caso, melhor manter uma boa tranca. Mas, se há amor: escâncaras!

nina rizzi disse...

belos vestígios :)

me roubaram a fechadura. chaves vão no peito.

inté.

Wanessa Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Wanessa Martins disse...
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Wanessa Martins disse...

Chaves esquecidas são a prova do quanto não precisamos dessa nossa frágil individualidade, do quanto não queremos estar fechados... e dúbio, pois somos fechados mas é como se fossemos todos portas abertas...queremos apenas não precisar delas, as chaves, queremos apenas poder entrar... adorei!!

Vinícius Remer disse...

Porta afora lembro da verdade que habitava em minha casa. Porta adentro vejo habitantes de mentira.

Emília Pinto disse...

Portas..., chaves..., chaveiros; não adianta..., cada um tem a sua porta, a chave que só nela dá.., o chaveiro que a guarda e que sempre amamos muito; afinal ele guarda aquilo que é muito precioso para nós: a chave que só ela e mais nenhuma é capaz de todos os dias abrir o nosso coração para o dia que está a começar.., para a vida que também é só nossa e que nenhuma outra chave abre, por mais que tentemos. Muito bonito e profundo. cada um vai ver essa tua chave...., mas ninguém se vai interessar por ela, porquê? Só dá na tua porta..., só abre a tua vida..., só para ti serve. Um beijinho e ..., eu também tenho problemas com chaves...; ainda hoje esqueci-as dentro de casa...

Emília Pinto

Maria Paula Alvim disse...

também tenho um seriíssimo problema com chaves. Vai ver que é isso: sou trancada ( truncada tbém). Excelente texto, Priscila. Abraços.