Gostava de assistir aos programas da tarde comendo rosquinhas de polvilho. O sofá, naquele canto direito, que já tinha o peso seu demarcado, ficava espalhado de farelos; incomodava a nora que pedia a toda hora para a Keyte ir limpar. Às cinco horas da tarde, tomava chá e fazia palavras cruzadas, e Miranda tinha que assistir à Malhação num volume tão baixo que deixasse a velha se concentrar, que pelo menos assim ela largava a TV até a novela das seis. Tinha paixão por cantos gregorianos, e os escutava pouco antes de deitar. Para o resto da casa era cedo, cada um metido em seu entretenimento cotidiano, gritava do seu cômodo que era pra ela maneirar; mas ela nem ouvia ou, se ouvia, não obedecia à barulheira e, contente cantando, ria rodopiando a blusa do pijama ainda no cabide. Aos finais de semana, não lhe faltavam convites – todos absurdos para uma senhora daquela idade, parecia até que a queriam ver longe da cidade. Negava todos com uma educação centenária – rara rara! – mas ninguém notava e, se notava, se aborrecia ainda mais: que essa velha tá passada demais, que a cada ano se enrijece na cena. (uma pobre senhora, uma nobre novela, que pena!) O filho bocejava diante da repetição de sua infância a cada visita que lhes chegava, e tinha de ouvir a mesma história das tampinhas de garrafa que ele trocava por soda limonada, das vezes que caíra no fosso atrás da casa (que ele recordava ter sido uma vez só). Depois, a velha nem sabia de mais nada: colocava sal na limonada, deixava transbordar o leite pro café. Ao fim do dia, quando a família chegava em casa, o cachorro havia se soltado da sacada, a empregada girando em curto circuito: assim não dá mais, desse jeito não vai dar. Mas dava. Sempre dava um jeito para se chegar, e consultar se estava tudo bem, se aquele mês ia dar pra pagar, e escorregava uma notinha de cem. Que ela não era senhora de se pendurar nas costas de ninguém. Por isso até que àquela noite, quando eles chegaram, e não havia nada – nadinha mesmo – fora de lugar, a surpresa foi tanta que a casa toda chorou.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
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4 comentários:
tua narrativa é envolvente.
ps: no "hora", nas últimas linhas, não seria "fora"?
beijo.
Muito obrigada!
tão suavemente triste... Tão tristemente suave...
Um abraço!
Que gracinha, adorei!
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