segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um desespero só

Para justificar a sede. Cobraram-se retorno urgente. Despediram-se ofegantes como se corressem – em direções diversas (e era quase sempre um adeus). Para não prejudicar ninguém, impediram-se – e depois se lamentaram em silêncio. Porque em silêncio também pediam com urgência um retorno, mas ninguém atendia. Poucos compreendem que há perguntas que não chegam a se pronunciar, embora se mantenham pendidas como à beira de uma janela no décimo segundo andar. E se ignorarmos as perguntas, e se não fornecermos as respostas? Não é necessário pensar sobre isso, as perguntas estão todas por aí, acontecendo diariamente, tal como as respostas. O complicado é colhê-las. Difícil é uni-las, saber que resposta corresponde a que pergunta. Quando o diálogo se desenrola naturalmente, não é necessário esforço para que a mensagem seja transmitida. Mas no caso deles, naquele caso que era entre eles, qualquer coisa enviada com destinatário seria prova de um delito previsto em lei – que lei era aquela? O que poderia ela diante da lei que era deles? Não sabiam. E se acovardavam em descobrir. Talvez revelasse um não-sonho, talvez a lei lhes dissesse que nada poderia fazer para impedi-los, talvez fosse realmente complacente. Mas a lei deles era proibida; essa lei que era deles era de uma cumplicidade, era de uma significância imprevista e delicada, que urgia discrição. Senão não seria aquela coisa que era só deles; seria apenas mais uma lei em meio a todas as leis operantes no universo – e é provável que com o tempo caísse em desuso, até que, dali a algumas décadas, alguém fosse dar por ela, e indagasse um estudioso, e ele respondesse com desprezo que aquilo ali não valia há muito tempo. Porque tem coisas que há muito tempo deixaram de existir, mas estão arquivadas. Como os dois fizeram um do outro, mantendo seus registros intimamente, como se deles pudessem se desfazer um dia, quando a caixa estivesse cheia, e fosse preciso esvaziar-se da vida inútil – dessa vida que se passa paralelamente a que se vive. Até que ele olhou pra si. E ela olhou pra ele – porque ela ainda o enxergava de vez em quando, embora ele não a visse há muito tempo – e os dois perceberam que estava pesado demais, que já não podiam aguardar tanta espera – o que antes era coleção, agora é lixo; porque nunca chegou a completar o álbum, e perdeu o sentido do anseio. E de se olharem assim, um pra dentro, outro pra fora, e de perceberem que não dava mais, ele tentou ligar pra ela, mas o número dela havia sido desativado, ela estava morando ninguém sabia direito onde, nem desde quando, disseram até que andara se casando; e ela tentou escrever para ele, mas aconselharam que não o fizesse, que ele já tinha alguém que o tornava sereno, que o que ela lhe proporcionava – que, aliás, era mútuo – era uma inquietude agora inconcebível, que já tinham trinta anos, e casa pra manter, conta pra pagar, e o que a família iria pensar disso? Porque havia a lei, e enquanto apenas desejassem, não seria delito algum, porque não transpareciam, porque não havia urgência nos gestos cotidianos em que trabalhavam as mãos. Havia sim um desanimo; uma ameaça tediosa e maçante que os rodeava, e sentava sobre eles enquanto trabalhavam, e escalava seus ombros enrijecendo-os, e entupia suas narinas, saindo por seus olhos, impregnando em suas roupas, esticando-se sobre suas camas, até ocupar o espaço de um corpo.

7 comentários:

Gato Vadio disse...

Inspirado em ti, republiquei um garranchinho do Recanto lá no "Gato". Seus textos fazem-me um bem danado ao espírito. Este é um deles. Abraços!

Eduardo Jorge disse...

Do livro novo? Abraço.

Priscila Lopes disse...

Não, Eduardo, esse aí eu escrevi ontem, num susto, e provavelmente não constará no livro.

Aproveito para agradecer a todos pelos acessos, comentários e e-mails em atenção ao meu trabalho.

Um abraço.

Hugo Albuquerque disse...

Priscila,

Bacana o seu blog, legal ver alguma coisa sobre literatura.

João Renato disse...

Olá,
Devolvendo a visita com atraso.
Ainda que seja uma imagem bem masculina, digo que sua poesia parece um "toque de bola".
JR.

Cecília Borges disse...

Oi, Priscila.
As impressões são sempre bem vindas.
Fique à vontade!
Beijo grande.

Anônimo disse...

Intenso né... Fui lendo e meio perdendo o fôlego.

Priscila, obrigado pela visita ao Anônimos, fazia tempo que um comentário não me instigava verdadeiramente. Suas palavras fizeram bem, acredite.
Um beijo grande.

Eder.