sábado, 22 de maio de 2010

dois

Quando combinavam, nunca dava certo; um sempre faltava. Era mais fácil quando não sabiam - ah, como se ninguém soubesse! As mãos segurando uma impaciência que não se continha; os lábios se apertando de vontade. Duas crianças. Em certas ocasiões duravam madrugada adentro sem nem conversar. Mas não havia graça em ser só eles dois. Outro casal os excitava. Chegavam a enrolar mais um pouquinho, esticar ao máximo o fio do tempo até arrebentar-se numa gargalhada. Parceiros, cúmplices, insuportáveis até. Enumerando as esperas. Olhares cruzados no silêncio de um cigarro. E o gozo final, vitorioso: ... cinco, quatro, três, dois... Toma! Bati!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

cachorra

Ou então não seria feliz com mais ninguém.

Via que voltar era um caminho se apagando. Farejava os espaços agora ocupados por outras pessoas; não reconhecia um cheiro que lhe tivesse pertencido. O cheiro do seu dono. Não era saudade, não era nem isso! Era aquela coisa que fica até chato falar porque não se sabe o que é pior: ouvir ou ter confessado, o apego. Um dia fugiu de casa, foi assim. Não sabia que fugiria; não sabia nem que estava indo a algum lugar e, portanto, voltar era algo que não havia cogitado. Quando viu, já era noite. Sentiu-se acolhida em tudo que era barzinho, lanchonete, balada. Ninguém mandava nela, ali, gostavam dela assim. E várias pessoas lhe ofereceram onde ficar, lhe fizeram carinho, brincaram com ela. Tanto que ficou mais um pouco. Dois dias no máximo. E voltou porque voltava, simplesmente. Talvez voltasse pra compartilhar com ele uma alegria que era só dela. Talvez porque apenas uma dose daquela droga de liberdade tivesse sido suficiente. Talvez, ainda, porque ele precisasse muito mais dela, e já devia estar sabendo disso. Ou...

segunda-feira, 10 de maio de 2010

os noivos

De vez em quando se olhavam, pensamento querendo. Enquanto um tentava solucionar um problema que era só cálculo - ainda assim suficiente para levar a mão esquerda à testa - o outro já havia desistido. De tanto olhar, às vezes se falavam. Quase fúteis. Equilibrados numa espera que era só deles, e que - sabiam eles - tinha de se perpetuar; mentalizavam conselhos infantis: calma, calma... é só não olhar pra baixo. E prosseguiam em pequenas doses de alívio e ansiedade a cada quinze dias. Às vezes também, pra piorar, um deles faltava. Mas até saber disso, como ter certeza? Como evitar os olhos na porta, a pergunta que não se tinha a quem fazer? Foi esse quase por quase dois anos. Até que se tornaram especialistas, e cada um foi morar noutro lugar. Ainda bem.