terça-feira, 10 de maio de 2011

carta amiga

Essa é uma vida de possibilidades, e de renúncias. Cada possibilidade, uma renúncia ou mais. A gente parece que nasce sabendo um monte de coisa, e à medida que cresce vai ficando mais estúpida em relação à vida. Não sei. Parece. Aumentam-se os temores. Talvez a dramatização diminua, é. A gente meio que perde a cara de pau pra ser dramática quando alcança os trinta. Eu tô quase lá. De vez em quando rola um draminha. De leve. Tanto que ninguém fica sabendo. Estou cada vez mais sendo de mim; minha boneca. Faço escândalos internos, fico magoada; depois passa. Não sei se contigo é assim. Tu és mais escancarada. Às vezes atrapalhadamente escancarada, porque, claro, é difícil encontrar a medida de ser. Eu sou contraída. Você expansiva. Acho. E invejo isso de uma maneira boa que me faz ser tua amiga, conviver, tentar ser mais - ou menos - alguma coisa. Invejo os que choram pra fora, os que se rasgam, os que se emocionam, apertam, pedem que não se vão, ligam de madrugada, entopem as caixas de mensagem das pessoas; essas pessoas não se torturam. Se soubessem a hora de parar - como eu não sei; já que eu nem chego a dar a partida - seriam tão mais acima dos outros mortais. Não sei por que te falo dessas coisas. Quando eu te conheci, e eu tinha o que, uns 18 anos, primeiro que eu não imaginava continuar tua amiga vendo os trinta chegar - naquela época de "efervescência" a gente não esperava nem o pôr-do-sol junto. Dez anos depois, ainda somos jovens, e já não somos mais. Tenho três sobrinhos, uma afilhada. Fiquei pra titia, nega. Troquei as crônicas do Veríssimo pelos poços profundos do Caio Fernando Abreu; não ouço mais hardcore, mas fiquei pesada. E também comecei a sentir certos arrependimentos. Se eu pudesse voltar atrás uma única vez na vida, não sei se voltava pra barriga da mamãe ou se pro vestibular, a tempo de escolher algo promissor. Fora o desejo de voltar praqueles dias de sol nos bancos da Federal, ou antes: praquelas tardes de domingo tomando banho de mangueira na casa da vó. Sabe, amiga, certas coisas levam anos. E são levadas por eles. Bom que você ficou.

9 comentários:

Lê Fernands disse...

faça novos anos, novas escolhas e novas lembranças.
abra a porta que te prende em ti mesma, mas isso não quer dizer que vc vai deixar de ser tua.

hoje sou mais contida, os 30 e poucos me presentearam com uma calmaria que eu não sei dar nome, mas continuo a abrir portas, experimentar e voltar atrás se preciso. hoje eu agarro a vida e dou-lhe um beijo gostoso, me arrependo cada vez menos e do que eu me arrependia, sei que caiu no mar do esquecimento porque eu já me absolvi. hoje gosto muito mais das mudanças, do vento que bate em meu rosto e das decisões que não tenho medo, mesmo que acabe em não, mas se eu não tentar, nunca saberei.



um gde bj meu.


talvez vc goste:

http://bemditaspalavras.blogspot.com/2011/05/balzaquiana-com-prazer.html

Ana Andreolli disse...

eu acho que vc nem imagina como isso mexeu comigo. sei lá, nao sei se quando alguem escreve algo acaba sabendo q isso vai ser uma luva pra outro alguem.

fiquei com lágrimas nos olhos. copiei pro meu arquivo de textos favoritos, com os devidos méritos!

tá lá, na minha pastinha, junto com caio f, lispector, hilda hilst... e agora priscila lopes.

sou sua fã!

marilegionaria disse...

Se passou tanto tempo, mas alguma coisa boa sempre fica mesmo, mas voltar seria um desperdício de aprendizado.
beijos

Cynthia Lopes disse...

Pri,
adorei a carta, ficou tudo tão íntimo e pessoal! uma conversa, da qual a gente participa e nela se vê e se compreende.
bjusssssssss

Unknown disse...

Nossa Pri, realmente lindo seu texto..engraçado como algumas coisas que pensamos podem ser tão perfeitamente ditas por outro alguém!
Que grande achado seu bolg!! E que inspirador!
Obrigada por me possibilitar esse momento...de refletir sobre o que realmente há dentro de mim e ressaltar, à mente e ao coração, todos aqueles de "ficaram" (e estão) comigo.

Um beijo,

Lola.

Elimacuxi disse...

Que texto delicado... e eu que cheguei aqui uma década na frente, me espanto de ver repetido o susto, a surpresa, o (des)encanto com o passar da vida, dedilhado por uma pessoa do outro lado do país. Um ser humano como eu, exposto em sua totalidade e miséria. Aproveito pra agradecer a visita ao meu blog e convidá-la para que volte sempre. Um abraço macuxi.

Elimacuxi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elimacuxi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alvarêz Dewïzqe disse...

Bonito. Que desabafo.
Escrever tem essa coisa de exorcizar os demônios.