quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

o plano

Ao girar a maçaneta, abra devagar. A porta irá ranger, e alguém notará sua presença. Entre mesmo assim. Coloque o guarda-chuva no balde que fica ao lado direito da porta, pendure o casaco no cabideiro que está isolado contra a parede, quase de canto. Em dois ou três minutos alguém virá perguntar o que deseja. Se souber, responda - não fará diferença, há uma fila. Talvez sinta-se mais desconfortável sentado num sofá que não tem o seu formato do que em pé, imaginando. Sente-se mesmo assim. Pegue uma revista para ler e finja ter interesse, como se o motivo de ter ido até lá fosse simplesmente pegar aquela - não uma qualquer; aquela - revista para ler. Estará desatualizada e provavelmente você descobrirá, dois anos depois, que a Angelina Jolie acaba de adotar uma criança vietnamita. Não erga as sobrancelhas, não faça do seu rosto um esboço da surpresa. Nem se a Xuxa cantar em trioeletríco, nem se o programa da Hebe sair do ar. Você não está ali para isso, e você sabe - é sempre pior quando se sabe, mas é também um alívio. A tv estará exibindo uma semissenhora que se comunica com um papagaio; ou um mocotó apresentando um video show. Desista. E quando chegar a sua vez, que disserem nome e sobrenome, e você se reconhecer naquilo, levante-se e vá. É inevitável. E você fará isso tantas vezes que logo lhe ocorrerá naturalmente (tão naturalmente que não fará sentido algum uma instrução desta). Neste plano você tem direito a 24 consultas por ano.

6 comentários:

Lídia Borges disse...

Uma descrição absolutamente real daquilo que representa uma consulta médica, que mesmo sendo repetida mil vezes, sentimos sempre como se fosse a primeira, estranhando e decorando cada gesto como se fossemos autómatos.

L.B.

Sueli Maia (Mai) disse...

Excelente!
Você conduz.
Beijos

ítalo puccini disse...

conduz mesmo!

aos poucos, tô voltando aos blogs. não podia deixar de passar aqui.

hoje e amanhã, aqui em jaraguá do sul, tem curso com o manoel ricardo de lima! =)

um abraço.

Poeta Punk disse...

me senti num consultório!

Enzo de Marco disse...

Olá senhorita Priscila Lopes , admito que achei seus textos muitos bem escritos Sobre tudo os contos . fiquie curioso em ler-los outras vezes , gostaria de pedir p/ de add no link do meu blog , escrevo tb pequenos contos ( não tão bons quanto os seus ) mais tenha certeza que sempre sinceros e vivenciados na mais pura essencia.
Saudações de uma Nobre filho de Caim

Andarilho disse...

Sabe que eu até gosto dessas salas de espera de consultório (pelo menos, quando tem lugar pra sentar)?

É, é estranho.